“ENQUANTO CHÃO” reestreia no Sesc Ipiranga

Batemos um papo com Caio Franzolin, protagonista do espetáculo que fica em cartaz em São Paulo até dia 22 de janeiro

O que duas comunidades em cantos extremos do país podem ter em comum? O intuito de mostrar histórias convergentes nas cidades de Canela (TO) e Patrimônio (MG) motivou a criação de ENQUANTO CHÃO, monólogo decorrente do trabalho de campo realizado pelo ator Caio Franzolin com sua orientadora, Carminda Mendes André. Após uma rodada de apresentações em dezembro, a peça volta com tudo para três apresentações no Sesc Ipiranga entre os dias 5 e7 de janeiro, passando depois para uma temporada em cartaz na sede d’a Próxima Companhia, entre os dias 12 e 22. Confira a entrevista que realizamos com Caio, que nos conta como o projeto começou e o que aprendeu durante essa jornada:

ETC: Você poderia contar um pouco mais sobre o trabalho de campo para ENQUANTO CHÃO realizado em Tocantins e Minas Gerais? Como surgiu a ideia de escolher essas duas regiões em particular?

CF: Em 2013 fui convidado a participar de uma pesquisa chamada “Intervenção Urbana como Tática Pedagógica: Encontro com Foliões”, que estava em desenvolvido inicial por Carminda Mendes André, Diga Rios e Milene Valentir. A proposta era estar em relação com duas comunidades em processo de apagamento cultural, a partir desta interação criar intervenções urbanas em conjunto com os moradores e produzir um documentário audiovisual para cada localidade. A convite da UFT (Universidade Federal do Tocantins) e em outro momento da UFU (Universidade Federal de Uberlândia) a equipe foi chamada para desenvolver atividades pedagógicas de intervenção urbana e teve contato com as histórias destas localidades por relatos de participantes. Depois, em derivas por estas cidades, o grupo trocou histórias por comidas nas calçadas destas comunidades. A partir desta experiência pensou-se em aprofundar estas relações e criar um projeto de pesquisa que fosse desenvolvido com um tempo maior e em contato direto com os habitantes das comunidades. Um traço marcante identificado nessas localidades foi a realização de suas festas tradicionais como instrumento, muitas vezes inconsciente, de resistência cultural. A princípio estes processos não tinham relação direta, já que houve em Palmas, na comunidade de Canela, a remoção dos moradores de uma vila centenária em consequência das obras de construção de uma hidrelétrica, ao passo que em Patrimônio o apagamento estava ocorrendo de forma mais silenciosa, como consequência do processo de especulação imobiliária e gentrificação. Fomos e viemos diversas vezes para estas comunidades, e neste tempo tive a proposta de fazer teatro destas experiências, por também entender que seria uma oportunidade de tratar do tema usando uma outra linguagem, contando com a presença de aspectos que não conseguimos contemplar na realização dos dois documentários. Com isso, entrei em paralelo no processo chamado “Processos de construção da memória em cena: Territórios da Memória” que originou o espetáculo “ENQUANTO CHÃO“.

ETC: Você poderia compartilhar alguns casos ou personagens que marcaram sua experiência de forma particularmente forte durante o projeto de imersão?

CF: Durante as viagens pude encontrar e conhecer muitas pessoas, de diferentes idades e pensamentos, que compartilham as identidades de suas comunidades. Criei uma relação mais próxima em especial com os mais velhos, àqueles que são referência para os demais. Em Palmas, tive a oportunidade de ficar, por vezes, escutando na varanda da casa do Seu Joaquim – o mais antigo morador do Canela Velho ainda vivo – suas histórias, aventuras e reflexões que o deixam vivo e empolgado – ele adora mexer com todos os outros brincando, fazendo piadas e se divertindo. Seu Joaquim me contou o “causo” de quando conseguiu mostrar para as capivaras que seu grupo eram mais espertos que elas, me contou o sentido dos rojões nas festas (“eles deixam o coração mais alegre”), os mistérios que eles viam no Rio Tocantins e muitas outras coisas. Em Uberlândia, tive a oportunidade de conhecer muitos mestres, sempre ser recebido com bons cafezinhos e participar de conversas maravilhosas. Por lá conheci Seu Bolin, sambista maravilhoso, e sua companheira, a Cida. Os dois formam uma boa dupla, que conta muitas histórias; outro casal maravilhoso é o Capitão da Folia de Reis Pena Branca, Seu Nersin, e a Nice, que tocam a folia com muita força. Eles contam as histórias e trazer o imaginário à realidade, já que são ao mesmo tempo narradores e testemunhas do aparecimento do lobisomem, das aparições de fantasmas na estrada e dos feitiços trocados em duelos mágicos.

ETC: Quais você acredita serem as causas por trás desse apagamento cultural e do desapego das raízes e origens?  Seria uma questão mais relacionada a algumas comunidades isoladas em particular ou algo mais global?

Há um aspecto global contraditório que ocorre neste sentido: por um lado, o ser humano busca o desenvolvimento da sociedade para ter uma melhora nas condições de vida. O desenvolvimento e o progresso chegam, mas o preço que cobram são os apagamentos de alguns aspectos dessa própria sociedade. Quando se pensa na geração de energia elétrica, por exemplo, não se tem uma preocupação com os danos materiais e imateriais envolvidos nestes processos, que tem impactos locais gigantescos. Não acredito que não se deva ter luz elétrica, mas acredito que é necessário que se encontrem alternativas sustentáveis. Os desastres estão aí, muitos deles são ligados ao desequilíbrio causado pela ação humana, ação que não é pontual, mas global e em alta escala. As monoculturas são outro exemplo de processos de uso do solo e empobrecimento do mesmo. Em regiões mais urbanas, o abuso da especulação imobiliária causa um aumento vertiginoso do custo de vida e ainda mais desigualdade social. Tentamos colocar este pensamento em movimento em ENQUANTO CHÃO, e quem for assistir poderá contribuir com as inquietações e olhares.

Serviço:

ENQUANTO CHÃO

Sesc Ipiranga

Data: dia 5/01 às 21h30, 6/01 às 19h30 e 7/01 às 18h30

Ingressos: De R$6,00 a R$20,00

A Próxima Companhia

Data: de 12 a 22 de janeiro, sextas às 21h e domingos às 22h

Recomendação etária: acima de 12 anos

Post Author: Rê Schmidt

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