“Salvador é meu país” é assim que começa a matéria com a cantora e compositora, Luedji Luna. Uma voz brilhante da nova MPB que carrega em si suas raízes africanas e leva contigo a força e a determinação para fazer brilhar a si mesma e outras mulheres artistas baianas. Luedji tem uma carreira nova, mas muito promissora. Suas canções como “Banho de Folhas” trataram por chamar a atenção de milhares de brasileiros que hoje visualizam seus vídeos e acompanham suas novas produções com olhares atentos.
A cantora vive transitando entre dois mundos: Bahia e São Paulo. Bahia, onde cresceu, se estabeleceu, se encontrou como pessoa e artista; e São Paulo onde veio para poder viver seu sonho na música com mais intensidade. Ela que já cantou ao lado de Maria Gadú, Liniker e Letrux (para citar alguns), tem em si suas maiores inspirações femininas em sua mãe e suas avós. Mal sabe ela que agora é uma das mulheres que inspiram outras brasileiras a seguirem seus sonhos e suas artes.
E não à toa. A artista abraçou a música angolana em suas composições e a misturou com a beleza de sua voz e a música brasileira. O seu disco de estreia que escutamos é o resultado de suas composições, exceto pela faixa “Eu sou uma Árvore Bonita” que teve melodia e harmonia no violão feita por François Muleka.
A beleza de seu trabalho, além de estar na sua música, claro, também está na sua inclusão e em seus projetos. Luedji toca com talvez uma das bandas mais diferenciadas que já nos deparamos nesse site. Tem sueco radicado na Bahia, paulista filho de congoleses, cubano e baiano. “A vida foi se encarregando de promover esses encontros, tudo muito natural e sinergético”, diz sobre o encontro com esses músicos.
Além disso, a cantora ainda é uma das idealizadoras do projeto Mostra Palavra Preta, evento que reúne artistas negras de todo o Brasil e acaba inspirando e influenciando cada vez mais mulheres nas artes brasileiras.
“Um corpo no Mundo”, seu disco lançado no ano passado, é a prova final de que ela ainda vai alcançar voos muito maiores em sua carreira. Somente em 2017, ela foi ganhadora do Prêmio Afro e vencedora como cantora Revelação do Prêmio Caymmi.
Confira abaixo a entrevista com Luedji Luna completa:
E.T.C.: Luedji significa amizade e rio em tchokwe. Além disso, é o mesmo nome da mulher que é considerada a mãe da Angola. Você começou a incorporar referências angolanas depois de saber disso ou já era algo que você queria colocar em sua arte?
L: Sim, Luedji é uma personagem de um romancista Angolano chamado Pepetela, que traz a história de Luedji, rainha do povo Lunda. Meu pai, que é historiador, se inspirou nesse livro ao me “batizar”, mas a referência da música angolana na minha música é recente e não tem a ver como meu nome necessariamente.
E.T.C.: Quais são as mulheres que mais te inspiram?
L: Minhas avós e minha mãe.
E.T.C.: Você disse em entrevista que começou a escrever músicas depois de passar por racismo quase que sua vida escolar inteira, como que escrever te ajudou a lidar melhor com isso?
L: O racismo tangencia nossos corpos, nossas experiências no mundo, mas não é tudo. Comecei a escrever para romper com um silenciamento em um ambiente racista, que era a escola, mas não era o tema das minhas escrituras. Escrever foi a maneira que eu encontrei para me expressar, para existir, já que naquele ambiente não era possível.
E.T.C.: E seus pais e a escola, depois de saberem do que você passava e sofria calada, conseguiram fazer algo para mudar o racismo na escola?
L: Não, eles se mobilizaram para me curar, me fortalecer, me proteger de alguma maneira, mas o racismo continua lá. E no mundo.
E.T.C.: Como funciona a Mostra Palavra Preta? E quais são os planos para esse ano?
L: A Mostra Palavra Preta é um evento que reúne compositoras, poetas e artistas visuais negras de todo o Brasil, idealizado por mim e pela poeta e cantora Tatiana Nascimento de Brasília. Esse ano nós pretendemos ganhar os editais inscritos para expandir mais a mostra.
E.T.C.: Você disse que negou seu lado artista até os 25 anos. Você chegou a trabalhar com outras coisas? Qual foi o momento chave em que decidiu perseguir a carreira na música?
L: Sim, já trabalhei com um zilhão de coisas, e a decisão foi tomada num momento catártico na cozinha da minha antiga casa. Do nada, eu disse em voz alta que ia cantar e é o que tenho feito desde então.
E.T.C.: Você disse que se conectou com a vontade de descobrir de qual África você vem. Quando começou a ter esse tipo de olhar para dentro de si mesma?
L: Acho que desde sempre, isso é uma questão comum aos negros da diáspora. Encontrar a imigração africana em São Paulo só me fez rememorar essa vontade.
E.T.C.: Como é o cenário musical em Salvador com relação a mulheres artistas, compositoras, produtoras?
L: É um cenário fértil, somos muitas e diversas.
E.T.C.: Atualmente, você, IZA, Xênia França, são alguns dos nomes de artistas negras crescendo na música. Além disso, temos mais debates sobre preconceito, mais revistas teens encorajando meninas a se aceitarem e não darem ouvidos à sociedade. Você enxerga uma melhora? Uma luz no fim do túnel contra o preconceito no Brasil?
L: Enxergo tudo isso como processo e que esses avanços são frutos de uma militância anterior. Nós somos apenas continuidade.
E.T.C.: Recomende outras artistas negras para a gente conhecer.
L: Tatiana Nascimento, Sam Defor, Emillie Lapa, Alexandra Pessoas, Jadsa Castro, Nath Rodrigues…
E.T.C.: Você diz que o disco é um olhar sobre você mesma. Você passou a se conhecer mais no processo de composição?
L: O disco é um olhar sobre mim mesma a partir do contato com a imigração africana em São Paulo, que me levou a reflexão sobre o lugar do corpo negro da diáspora e em diáspora no mundo.
E.T.C.: Como você enxerga os debates de feminismo negro no Brasil?
L: Faço minhas as palavras de Angela Davis: “Quando uma mulher negra se move, um mundo inteiro se move com ela.” Somos o passado, o presente e o futuro desse país.
E.T.C.: Quais são os planos para sua carreira esse ano?
L: Circular o máximo possível com o show ” Um Corpo no Mundo” e plantar a semente para o segundo disco, que já tem um nome.
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