Crítica de “Se a Rua Beale Falasse” – filme em cartaz

Por Jaqueline Oliveira*

Inspirado no livro do escritor negro, James Baldwin, morto em 87, conhecido por ser um ícone cultural americano e representante do movimento dos direitos civis, “Se a Rua Beale Falasse” retoma a discussão sobre a atualidade em que policiais brancos matam negros, mesmo referindo-se em sua obra literária a uma época mais antiga, tratando da trajetória negra e o cotidiano racista nos EUA, no começo dos anos 70.

Em sinopse, o filme é sobre a história de um amor atemporal e da força de uma família afro-americana contada por uma jovem de 19 anos. Tish relembra vividamente a paixão, o respeito e a confiança que uniu ela o artista Alonzo Hunt, conhecido pelo apelido de Fonny. Amigos de infância, tornaram-se um casal: noivos e ela grávida, seus planos são sabotados quando Fonny é preso por um crime que não cometeu.

Confira o trailer!

Mesmo num contexto cheio de carga dramática, a questão racial que é a trama principal e que dá vida à narrativa do filme, “Se a Rua Beale Falasse” chega perto de ser esquecível. Com um conjunto de ideias pré-estabelecidas, como, por exemplo, a “Rua Beale”, o filme caminha sem saber por onde e atira para todos os lados, como se não existisse uma base, e como se as decisões fossem tomadas no instante da filmagem.

A Rua Beale, quem nem “existe” no filme e que é uma referência à cultura do Blues e da realidade de ser negro na América, fica em último plano no longa, como um detalhe para não passar em branco, mas que chega a transparência, por simplesmente não ser visível, não ter espaço no projeto de Barry Jenkis, vencedor do Oscar por “Moonlight”.

Imagem – divulgação

Jenkis que, costumado a navegar em contextos micros de seus personagens, dessa vez, tenta migrar para o macro, gerando desfoque no crescimento do filme. A narrativa que gira em torno do casal perde o fôlego ao executar algumas tramas secundárias, principalmente na cena em que há uma discussão entre as famílias do casal, além de outras. A ação é forte, mas tão mal ensaiada que os personagens se desconectam com a realidade do filme e evidenciam a fragilidade da cena, representada pelos atores que não conseguem ultrapassar a falha da direção.

Os personagens secundários, que com papeis em tomadas que são possíveis distinguir que foram feitas para render: “ual”, só têm hora marcada. Chegam no horário e vão embora (pego o mesmo exemplo da discussão da família). Quase não é possível lembrar a razão de estarem ali e a necessidade do filme perder tempo em montar um contexto que só será apresentado uma ou duas vezes.

Imagem – divulgação

Kiki Layne só convence em, apenas, um momento. Sem emoção, não consegue transmitir a totalidade e essência da personagem, o que chega a incomodar bastante, mesmo que a narração e sua voz tenham sido exemplares. Já Stephan James vive intensamente o Fonny e se mostra mais protagonista do que com a suposta parceira em que precisa representar um casal.

As cenas que funcionam, emocionam muito. Mas são pontuais diante de todo o projeto que contém  planos e contraplanos, como um jogo onde cada um tem sua vez, mas que conseguem, principalmente nas tomadas em que os protagonistas olham diretamente para câmera, fazer-se conhecer o interior de Tish e de Fonny, comprovando, assim, suas motivações. Duas ou três cenas gerais conseguem prender atenção e fazer sentir o peso das dificuldades que o casal, e mãe de Tish e o amigo de Fonny, Daniel, negros, enfrentam ou enfrentaram. A direção peca, por simplesmente, não garantir à história a sua essência e por se perder em detalhes que não fariam falta.

O roteiro em si é bem escrito e aludi corretamente como adaptação à obra literária – a exemplo, um final encantador, merecedor dos olhares e o singelo toque entre as duas pessoas, concluindo com uma libertação, mesmo que puramente poética.

É necessário aplaudir a harmonia visual, sendo a fotografia o apogeu do projeto. O senso estético ao definir as roupas dos personagens e elementos de cena, traz o zelo da direção em compactuar com a emoção que a parte visual traz e faz impactar o espectador, principalmente nos enquadramentos de câmera e que chamam a atenção até do menos conhecedor de cinema. Já a trilha de Nicholas Britell representa a agonia, emoção, simplicidade e cumplicidade que o filme propõe.

Imagem – divulgação

“Se a Rua Beale Falasse” retrata, portanto, como o racismo afeta tudo, inclusive um filme. O perturbador de sua ação, racista, transmite a intolerância racial em sua completude. Impede o romance ser encantador, e o traz à realidade opressora.

O filme tem Regina King (mãe de Tish – e única que pôde ter mais tempo em tela, como personagem secundária) indicada ao Oscar na categoria “Atriz Coadjuvante”, e o filme concorre em mais duas: “Trilha Sonora Original” e “Roteiro Adaptado”.

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