Homem Comum

A origem do mal

Em “Um Homem Comum”, a psicologia do vilão é dissecada por Ben Kingsley e Hera Hilmar

Alguns filmes já nascem clássicos,  e “Um Homem Comum” é um desses longas que com certeza virará referência em cursos de história e de cinema  por aí. Com direção de Brad Silberling (Cidade dos Anjos) e co-estrelado por Ben KingsleyHera Hilmar, ele estreia nas telonas brasileiras no próximo dia 29, tendo chamado atenção dos cinéfilos da Europa (onde foi lançado mais cedo, em abril deste ano) por tratar de um tema árido – a guerra da Iugoslávia e sua repercussão entre os países envolvidos no conflito.

Na trama, somos apresentados ao General (Ben Kingsley), líder militar da antiga Iugoslávia condenado por crimes contra a humanidade que vive foragido há anos graças a um esquema que envolve constantes mudanças de residência e proteção de alguns antigos subordinados do exército. Entretanto, conforme o cerco se aperta e uma recompensa de US$10 milhões é lançada por quem trouxer informações que levem à sua captura, a rendição começa a se articular como um alternativa tentadora até para o mais impassível dos militares.

Surge, então, Tanja, a diarista contratada pela antiga dona do apartamento recém ocupado pelo General. Começa então um verdadeiro tango no qual a jovem aparentemente desprovida de qualquer tipo de ambição e ideologia e aquele que já foi a pessoa mais poderosa de uma nação passam a lutar pelo controle da situação.

Se você gosta de filmes que falam da alma, prepare sua pipoca, esse é pra você.

Um Homem Comum: algumas referências que te ajudam a apreciar o filme

A única crítica que preciso fazer a “Um Homem Comum” é a ausência de referências capazes de enriquecer o roteiro para os espectadores que não estão familiarizados com o que foi o conflito na antiga Iugoslávia – isso não impede a compreensão do filme, mas torna sua apreciação menos rica.

O longa é baseado na história do general sérvio Ratko Mladić, também conhecido como “O açougueiro da Bósnia”. Mladic foi julgado por crimes contra a humanidade e recebeu o veredicto de culpado pelo Massacre de Srebrenica, no qual mais de 8 mil bósnios foram exterminados num cerco que durou 14 dias. Madlíc ordenou também o cerco de 43 meses à cidade de Sarajevo, que teve como resultado milhares de civis mortos por franco atiradores posicionados nas colinas que rodeavam a cidade.

O general ficou de fato foragido por mais de 15 anos, e o esquema envolvendo antigos comandados de fato existiu – dizem que o próprio presidente da Sérvia à época, Slobodan Milosevic, ajudou a mantê-lo escondido do julgamento internacional.

A prisão de Mladíc se tornou questão de honra para os países da União Européia, chegando ao ponto de ser considerada fator-chave para vetar quaisquer possibilidades de a Sérvia entrar no bloco. Paralelamente, o general era considerado um herói por parte da população sérvia, que não apenas ajudava-o a se esconder como ainda lhe pedia autógrafos.

Ratko Mladić
Esse mural Sérvio retrata o General Ratko Mladić – em “Um Homem Comum”, temos uma reprodução do mural com uma foto de Kingsley. Fonte: Japantimes.com

Um Homem Comum: análise com spoilers

Assistir um ditador genocida criticando o verdureiro que rega demais seus pimentões pode beirar o revoltante, até que você percebe que o tal verdureiro gosta do General a ponto de arriscar a própria vida para ajudá-lo a fugir. Tal cena dá um indício do quão complexa é a relação dos povos dos Balcãs com a guerra e seus heróis-carrascos: até que ponto é justo ter um único ser humano como bode expiatório de toda dor sofrida por um povo?

O filme nos leva a questionar isso o tempo todo, seja no gosto do protagonista por cozinhar e dançar, seja na constatação de que, na verdade, o protagonista não é preso porque não há muitos esforços no sentido de capturá-lo – afinal, em suas próprias palavras, qual o problema de se deixar um fantasma vagar?

Em Um Homem Comum, percebemos que muitas vezes o que separa os heróis dos vilões da História é a mão que empunha a caneta.

 

Post Author: Rê Schmidt

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