Produção conta histórias reais de quatro judeus que conseguiram sobreviver na Berlim nazista entre 1942 e 1945
Os invisíveis é um filme cujo timing de lançamento no Brasil é impecável – afinal, nada como histórias reais excelentemente interpretadas para lembrar um país de memória curta das cicatrizes que governos extremistas baseados no ódio são capazes de deixar nas vidas de milhares de famílias.
Com direção de Claus Räfle e elenco estrelado por Max Mauff (Sense 8), Alice Dwyer, Ruby O.Fee e Aaron Altaras, o longa mescla os depoimentos reais dos protagonistas às interpretações das diversas situações pelas quais eles passaram vivendo escondidos em pleno Terceiro Reich. Essa transição é feita com maestria por Räfle, de uma forma que o filme não chega a ficar cansativo, apesar do tema obviamente pesado.
Os Invisíveis foi indicado para o Hamburg Festival e o Mill Valley Film Festival no ano passado, e chega às telonas brasileiras no dia 4 de outubro
Os Invisíveis: sinopse
Em fevereiro de 1943, o ministro da propaganda do Partido Nazista, Joseph Goebbels, divulgou para os principais periódicos da Alemanha que Berlim se encontrava “100% livre de Judeus”. O que ele provavelmente não sabia é que nesse momento cerca de 7 mil judeus viviam na cidade clandestinamente.
Quando os soldados soviéticos chegaram à capital da Alemanha, dois anos depois, 1300 desses judeus haviam sobrevivido, e o filme conta as histórias de 4 deles.
Hanni Lévy, de 17 anos, acaba de perder seus pais, e está absolutamente sozinha na cidade. Seu trunfo? O cabelo recém tingido de loiro, usado por ela como uma armadura para transitar despercebida pela Ku’damm para passar o tempo.
Já Cioma Schönhaus é um artista gráfico que leva uma vida dupla – finge ser um alemão que perdeu a casa que ronda de albergue em albergue e produz documentos falsificados para ajudar outros judeus que se encontram na clandestinidade.
Ruth Arndt também leva uma vida dividida: trabalha disfarçada na casa de um general nazista servindo refeições contrabandeadas ao mais alto escalão do Terceiro Reich e, em seu tempo livre, passeia vestida de viúva de Guerra.
Por fim, temos Eugen Friede, que se envolve em um grupo de resistência dedicado a contar para o resto da Alemanha o que de fato acontece com os judeus “deportados” pelo regime Nazista.
Os Invisíveis: resenha critica
Longe de ser “apenas mais um filme sobre holocausto”, o longa documental agrega à filmografia do gênero alguns momentos preciosos que nos permitem vislumbrar o dia a dia dos oprimidos pelo governo de Hitler antes mesmo dos campos de concentração: esses grupos eram obrigados a usarem símbolos de suas etnias (uma estrela de Davi, no caso dos judeus) costurados em suas roupas, que equivaliam a um sinal verde para todo tipo de postura abusiva pela policia.
Outro fato que não nos é contado nas aulas de história foi o banimento desses grupos de basicamente todos os serviços de infraestrutura e mobilidade – para poder pegar um ônibus até o trabalho em 1941, por exemplo, os judeus precisavam de uma permissão por escrito do empregador, acompanhada de uma comprovação que o local de trabalho distava mais de 7 km de suas residências. Do contrário, a alternativa era andar, mesmo que na chuva ou no frio.
Quando as primeiras expulsões dos judeus foram anunciadas, foi vendida a ideia de “deportação para o Leste Europeu”, de maneira que grande parte das populações alemãs e judias acreditava se tratar de uma transferência – prova disso é que diversas famílias abandonaram o país por conta própria, preferindo arriscar a sorte num país diferente que continuar na situação de opressão em que se encontravam em Berlim e outras cidades grandes.
Existe, entretanto, uma contrapartida – dos próprios cidadãos de Berlim contrários aos abusos que presenciavam, que arriscaram às próprias vidas escondendo e auxiliando os filhos de seus amigos que optaram por permanecer no país. Poder assistir esses momentos e saber que eles de fato aconteceram são pérolas de alento em meio a um cenário tenebroso.
Em suma, assistir Os Invisíveis é uma experiência dolorida. Não só pelas atrocidades cometidas pelo partido Nazista, tratadas de forma periférica, porém presente como o tal elefante dentro da sala, e sim pela capacidade de Räfle de nos posicionar como expectadores angustiados da mentalidade das pessoas comuns que viviam na Berlim dos anos 40: pessoas como eu e você, que procuravam viver seus dias da melhor forma possível sem querer acreditar que um governante que elas próprias colocaram no poder fosse capaz de algo tão atroz como um genocídio. Em um trecho particularmente forte do filme, Eugen Friede comenta:
“Nós sabíamos que Hitler e os nazistas não gostavam de judeus, mas em momento algum imaginamos que essa antipatia tivesse atingido o ponto de assassinatos em massa”
Saber que os próprios judeus e a desconheciam o holocausto e os campos de extermínio até o ano de 1943 faz pensar até que ponto não estamos nós, quase 80 anos depois das eleições que colocaram Hitler no poder, prestes a repetir, como nação, um erro tão grotesco quanto o que causou uma das maiores tragédias da história da humanidade.
Espero estar errada.