A banda do Rio de Janeiro, El Efecto, é conhecida por suas letras de protesto e músicas muito bem elaboradas. Quatro anos depois de seu último disco “A Cantiga é uma arma”, a banda voltou em 2018 com o álbum inédito “Memórias do Fogo”, além de disco ao vivo gravado no Méier durante apresentação no Rio Novo Rock – evento importante da cena do rock carioca.
Com sete músicas inéditas, a banda mostrou que sua criatividade e arte continuam intactas nesse novo trabalho. Gravado por Tomás Alem (Estúdio Toca do Bandido e MK Estúdio) e Patrick Laplan (Estúdio Fazendinha) no Rio de Janeiro, o álbum possui vídeos de gravação disponíveis para os fãs – ou meros curiosos – no canal deles no YouTube. Assim, a imersão fica ainda mais completa nesse mar de referências políticas e sociais que eles nos apresentam faixa após faixa.
Tomás Rosati (voz, cavaquinho e percussão), Cristine Ariel (guitarra, cavaquinho e voz), Tomás Tróia (guitarra e voz), Gustavo Loureiro (bateria), Bruno Danton (voz, violão e viola) e Eduardo Baker/Pedro Lima (baixo), convidaram as pessoas a viver a transformação que o fogo trouxe, traz ou ainda trará. O disco foi inspirado na trilogia de Eduardo Galeano, que fala sobre a trajetória da América Latina.
Para a tarefa de abordar o trabalho, obra e carreira dessa banda, chamamos um dos fãs do El Efecto para entrevistar os integrantes. Rodrigo Mazzoleni, também carioca, aceitou o convite prontamente e o resultado desse papo você encontra abaixo.
Entrevista com El Efecto
Ser uma banda edificante foi um projeto ou um processo? Antes do primeiro ensaio vocês pensaram: Vamos transformar as pessoas?
Tomás Rosati: Bom, obrigado pela força! A proposta da banda foi sempre a mesma. Desde o início o que nos motiva é a interseção entre inquietação política e instigação estética, acreditando na possibilidade de sensibilizar, de fortalecer bandeiras de luta e de incomodar, tocando em algumas feridas comuns a todos nós.
É comum o depoimento de fãs que se disseram transformados por causa do som de vocês?
Tomás Rosati: Talvez o nosso lugar seja mais o de alimentar a chama dos que já estão desse lado, sabe? Dos que lutam por justiça, dos inconformados com as desigualdades, dos que já carregam alguma semente de indignação. Daí, sempre que alguém dá um retorno sobre algum impacto causado pelo som, pelas ideias, é uma força pra seguirmos acreditando na música como uma forma de militância. Mas nunca é demais recordar os versos do poeta
Lucas Bronzatto:
Ao que tudo indica
De nada vale a luta se não houver flores
luta sem poesia é causa vazia
grito oco
rio seco
Sabemos desde sempre:
o amor é sustento e guia
Mas
ao que tudo indica
nem uma chuva das mais belas flores
nem os mais tocantes versos sobre a injustiça
nem a mais visceral das interpretações
nem o mais longo e bem dado abraço
convencerão – por exemplo – um latifundiário
a ceder suas terras aos camponeses
muito menos se tiver espingarda
e capangas
(Lucas Bronzatto)
Vocês formaram a banda muito jovens e amadureceram dentro dela. Existiu a relação cantar para mudar, e mudar ouvindo o próprio canto?
Bruno Danton: Claro, existe sempre. Quando pensamos no “público” para o qual se dirigem as ideias das músicas, nos entendemos como parte desse público. Todas os questionamentos são voltados também pra nós mesmos, como forma de exercitar a autocrítica e a reflexão sobre nossas posturas e nossa responsabilidade sobre a reprodução das coisas como elas são. Então acho que a banda tem essa função constante de tentar estimular a reflexão política, seja pra quem ouça, seja pra nós mesmos que estamos “falando”.
Quanto mais se prega a retidão de caráter, maior é a cobrança, interna e externa, sobre a própria conduta. Como lidam com isso?
Bruno Danton: Acho que pensar a própria conduta é um exercício fundamental pra todo mundo. No caso, estarmos envolvidos com a banda é um incentivo a mais pra seguirmos correndo atrás de aproximar as ideias das práticas. Mais não a partir de uma pregação de um modelo de retidão, e sim buscando uma reflexão constante sobre responsabilidade, coerência, justiça, ética, solidariedade…
O quanto o recente aumento do radicalismo e da polarização política afetou a recepção e a percepção do público sobre vocês?
Gustavo Loureiro: Não saberíamos dimensionar isso.
Como enxergam esse crescente interesse político por parte da população, que nos surpreendeu com vozes antes não ouvidas, muitas até cheias de ódio e preconceito intragável? Uma oportunidade pra debates, um terreno pra mudanças? Ou uma surpresa ruim?
Gustavo Loureiro: Parece um momento de tomada de consciência, seja devido à emergência de vozes que antes eram silenciadas e do fortalecimento de diversas lutas, seja pela necessidade de reafirmar as nossas bandeiras de esquerda e encarar o enfrentamento político, escancarado pela queda das máscaras de uma direita raivosa que se articula em reação aos avanços.
É possível que, com o tempo, dentro de um mesmo estilo musical, os arranjos se tornem cada vez mais parecidos – já que as pessoas continuarão compondo e servindo como referência, se retroalimentando. O estilo musical de vocês é eclético. É contemporâneo porque existe, mas olhando em volta parece mais o futuro. O ecletismo é o caminho para a originalidade musical? Será o futuro da música?
Gustavo Loureiro: Pois é, a mistura é o que vai dando movimento às coisas, desde sempre, né? O que é tradição hoje é fruto das misturas do passado, etc. Mas, de fato, hoje com a abundância de informações que temos e a relativa facilidade de acesso às linguagens mais diversas, o ritmo das transformações é outro e daí o lugar das formas “tradicionais” também vai mudando… Enfim, difícil de saber pra onde vamos e o que nos aguarda. De qualquer forma, temos um pé atrás com a ideia da busca por originalidade como um fim em si mesma. Vale estarmos atentos a isso, pra que o fazer artístico e o uso das linguagens não acabe sendo determinado pelas dinâmicas de mercado, da constante busca pelo “novo produto” e tal. Nesse sentido, temos interesse em pensar a música, e a arte de maneira geral, menos pela questão do estilo e mais pela sua capacidade de construir sentido, de inquietar.
Desde o primeiro álbum há uma relação muito cuidadosa entre o momento tocado com o que é dito na letra. A mensagem é sempre o guia pra novos arranjos? Ou as vezes rola tirar aquele riff bacana da gaveta pra usar na letra nova?
Bruno Danton: Buscamos sempre construir o sentido das canções a partir do diálogo entre música e letra. Às vezes começa por um caminho, às vezes por outro, mais no final o objetivo é que role uma coerência, uma unidade.
Como foi o contato com a Ingra pra dar voz àquele poema sensacional?
Tomás Rosati: Éramos admiradores dos escritos dela há muito tempo. No meio do processo de composição do disco, assistimos a um show dos companheiros da banda Canto Cego em que a Ingra fez uma participação, lendo um de seus textos arrebatadores. Daí aumentou ainda mais a pilha que já tínhamos de tentar fazer algo em parceria. Fizemos um convite e, pra nossa sorte, ela topou, embarcou nessa e, de quebra, ainda nos levou até o Rafa Éis, que foi o parceiro que fez toda a parte gráfica e as artes do disco.
Referências musicais não devem caber na página. E bandas para indicar? Não é fácil encontrar bandas parceiras da mesma causa e som.
Gustavo Loureiro: Magoo Campos, Culto ao Rim, Helen Nzinga, Duda 4 Moinhos, Banda Gente, Vovô Bebê, Verdevioleta, Som de Preta, Machete Bomb, Thiago Kobe, Nina Rosa, Pandeiro Repique Duo, Vibra Negra Voz, Daira, Canto Cego, Dos Cafundós, Stereophant, La Digna Rabia, Guantanamo Groove.
Se o mundo fosse um lugar justo, pelo que cantariam?
Bruno Danton: Pela necessidade de defendê-lo com unhas e dentes!