Quando se pensa no título do filme A Cidade do Futuro a última coisa que vem à cabeça é a pequena comunidade de Serra do Ramalho, cidadezinha no sertão Oeste da Bahia. Mas é neste cenário que se passa a história de Mila (Mila Suzarte), Gilmar (Gilmar Araújo) e Igor (Igor Santos), nossos protagonistas, cujas vidas se entrelaçam irremediavelmente. Quando a inesperada gravidez de Mila, ex-namorada de Gilmar, ameaça separar o romance entre ele e o vaqueiro Igor, os três tomam a decisão de viverem juntos e enfrentar o preconceito da sociedade.
Um dos raros filmes a abordar a questão do poliamor, o longa torna-se curioso ainda por sua origem. Em meio à uma produção protagonizada pelo mesmo trio, os diretores Cláudio Marques e Marília Hughes receberam a notícia da gravidez de Mila e resolveram reescrever seu roteiro, transformando-o numa adaptação ficcional da história de seus atores, eles próprios num relacionamento poliamoroso. A curiosa história transformou-se em A Cidade do Futuro, que chega aos cinemas nacionais nesta quinta-feira (26) após mais de um ano no circuito de festivais.
O roteiro de Marques e Hughes entrelaça a narrativa do trio com a da própria cidade, originária de uma histórica migração compulsória nos anos 1970 que realocou uma população de moradores ribeirinhos por conta da construção da hidrelétrica de Sobradinho. Esse deslocamento e suas injustiças marcam a história local e o filme tem momentos quase documentais, mostrando depoimentos dos habitantes e antigas filmagens através das aulas de Gilmar, professor de história na escola local.
Mas a trama principal é aquela que envolve o trio e sua luta pela aceitação de uma família não-tradicional dentro de uma comunidade atrasada, conservadora e machista. Os protagonistas, estreantes no cinema e vindos da própria Serra do Ramalho, atuam com a crueza própria do teatro e um certo nível de desconforto, que dá mais realidade e empatia aos personagens e sua peleja. Cenas marcantes carregam o drama de sentido emocional, e a trilha sonora complementa perfeitamente a narrativa, com destaque para a inesquecível “Jeito Carinhoso”, que embala duas importantes sequências.
Apesar de seus muitos méritos, A Cidade do Futuro falha ao tentar conciliar as duas narrativas e se perde em meio à tentativa de inserir a parte histórica do município na trama principal, sacrificando a fluidez e o tom orgânico do roteiro. Hughes e Marques teriam em mãos um filme mais enxuto e conciso se ele fosse limitado apenas ao primeiro tema.
Quando se atém ao romance e suas dificuldades, A Cidade do Futuro é um filme sensível e moderno, que conversa com o público de maneira tocante e enfática sobre um assunto cada vez mais em pauta: a tolerância e aceitação do diferente.
Nota: 4