Stromboli, clássico do neorrealismo italiano, está de volta aos cinemas brasileiros quase sete décadas após seu lançamento original. O filme é um marco na carreira do diretor Roberto Rossellini e marca não apenas o início de sua parceria com a lendária Ingrid Bergman, mas também do infame romance entre os dois.
Nascido da famosa carta enviada por Bergman ao diretor italiano em 1948, em que a atriz (na época recém vencedora do Oscar) elogiava o trabalho de Rossellini e oferecia atuar em um de seus filmes, o escandaloso romance causou tumulto tanto na Itália quanto nos EUA, onde Bergman residia. Ambos ainda eram casados quando Bergman deu à luz ao primeiro filho do casal, e tanto a Igreja Católica quanto o Senado americano condenaram a indecência. Pouco tempo depois, Bergman e Rossellini se divorciaram de seus parceiros e oficializaram sua união, que durou sete conturbados anos. Mesmo assim, Stromboli tornou-se conhecido não tanto por seu conteúdo, mas por ter sido o cenário de um escândalo internacional.
Na história Bergman é Karen, uma refugiada da Segunda Guerra que, sem opções para continuar na Itália, casa-se com Antonio, um jovem e marinheiro. Após o casamento, os dois vão viver na ilha vulcânica que dá nome ao filme e o casal começa a enfrentar problemas devido as diferentes mentalidades e estilos de vida de cada um: Antonio, acostumado à vida dura e simples da ilha, e Karen, nostálgica de uma existência luxuosa e fácil.
Filmado no estilo neorrealista da época, com pessoas locais no lugar de atores e em locação na própria ilha (um lugar verdadeiro na Sicília italiana), Stromboli é quase um relato documental da dura vida daqueles cidadãos e suas rotinas. Rossellini mostra todos os pormenores da monótona rotina dos marinheiros e suas senhoras, que nada tem a fazer a não ser cuidar da casa e dos filhos e esperar o retorno do marido. O belíssimo cenário da pequena ilha deixa fácil o trabalho de fotografia, que tem seus melhores momentos nas cenas em mar, em especial aquela que mostra o momento de pesca dos marinheiros e o real esvaziamento da ilha durante uma explosão vulcânica.
A câmera segue a todo momento a protagonista, que se destaca facilmente do restante dos habitantes. O casamento de conveniência logo se desmantela para Karen que, apesar de seus esforços para agradar ao marido e se sentir parte da comunidade, é incapaz de se habituar e é rejeitada pelas outras mulheres, que a julgam muito diferente e promíscua para seus costumes. Encontrando conforto apenas no Padre local (e logo caindo em tentação), tanto Karen quanto Antonio terminam vítimas de um relacionamento destinado a falhar.
Apesar de seu status de clássico, Stromboli não se sustenta tanto para as audiências modernas. O conhecido final do filme, com Bergman implorando por intervenção divina aos pés do vulcão, se destaca não tanto por sua ambiguidade, mas pelo julgamento posto numa mulher sem escolhas, jogada numa situação sem saída. Aqueles dispostos a ignorar o aspecto histórico e religioso serão contemplados com um lindo filme, que ainda vale a pena ser visto.