Não é tão comum que um diretor consiga levar seu primeiro filme ao Oscar, muito menos com indicações em todas as categorias principais. Este é o caso de Lady Bird – A Hora de Voar, da debutante Greta Gerwig, uma quieta reflexão sobre o amadurecimento de uma garota adolescente e o conturbado relacionamento com sua mãe. O longa recebeu cinco indicações ao Oscar deste ano, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção, e é o primeiro trabalho de Gerwig a alcançar o grande público.
Queridinha do mercado indie há anos, Gerwig constrói uma história simples e comum, mas que reverbera em sua sinceridade. O filme arrebatou elogios da crítica especializada e coleciona notas altas em sites do gênero, contando com uma marca quase perfeita no Rotten Tomatoes (99% com base em mais de 270 opiniões). A história segue o último ano de ensino médio de Christine “Lady Bird” McPhearson, adolescente de classe média que sonha em trocar sua monótona cidade pela agitação da costa leste estadunidense e suas universidades liberais. A irlandesa Saoirse Ronan, que vive a protagonista, concorre a estatueta de Melhor Atriz pela terceira vez em seus 23 anos de idade.
Aspectos técnicos
Direção e roteiro
A própria Greta Gerwig dirigiu e escreveu a obra, que é parcialmente inspirada em sua própria adolescência. A personagem-título, uma adolescente aluna de um colégio católico particular, é uma jovem em conflito com o mundo ao seu redor e apresenta todos os defeitos já conhecidos dessa fase da vida: Lady Bird (nome que adota para si mesma) é impulsiva, egocêntrica, irritante, e muitas vezes inconsequente, impulsionada pelo desejo de se livrar da tediosa Sacramento e ganhar o mundo, mesmo sentindo que este tenta a todo momento lhe puxar pra baixo.
O roteiro de Gerwig não faz questão de esconder as falhas de sua protagonista, mas é eficiente em evitar a demonização e exagero destes traços, algo comum em histórias com protagonistas femininas adolescentes. Os defeitos de Lady Bird não a tornam necessariamente uma pessoa ruim, apenas a pintam como aquilo que de fato é – alguém em processo de autodescoberta, vivendo uma fase em que mudanças e incertezas parecem o fim do mundo. É fácil olhar para ela e relembrar com nostalgia de nossa própria adolescência, de suas provações e descobertas. Essa identificação é facilitada pelos ótimos diálogos construídos por Gerwig, que parecem de fato vindos de uma garota de 16 anos.
Os relacionamentos são o ponto chave da história, e definem o mundo de Lady Bird através dos laços que a garota cria. Laurie Mecalf e Saoirse Ronan estabelecem uma dinâmica fantástica entre mãe e filha, uma relação precária e em constante conflito, mas que é mais complexa do que parece (mesmo com as brigas, Lady Bird defende a mãe ao primeiro sinal de hostilidade vinda de alguém de fora). As amizades e romances da garota também são importantes, e estabelecem uma contradição entre aquilo que ela deseja e sua realidade.
Gerwig dirige com uma mão leve, deixando a obra fluir com ares de sutileza e realismo próprios dos filmes independentes. Existe também um senso de nostalgia presente, e a própria Lady Bird parece sentir-se nostálgica (ou talvez desejosa) por algo que não conhece e lhe parece distante. O filme é divertido e tem um humor real, e a experiência de viver a transição entre adolescência e o início da idade adulta é vivenciada não só pela protagonista, mas também revivida pelo expectador. O que Gerwig parece querer passar é a sensação de familiaridade com as pessoas e situações na tela, e nisso ela tem sucesso absoluto.
Nota: 5
Elenco
Encabeçado por Ronan, uma das mais jovens indicadas ao Oscar na história da premiação, o elenco de Lady Bird é eficiente e carismático. Além da protagonista, Lauren Metcalf também está indicada ao careca dourado na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante por sua carismática interpretação de Marion McPhearson, uma mãe em constante luta para aprender a lidar com as inconstâncias da filha e se conectar com ela ao mesmo tempo. Tracy Letts constrói um Larry que é quase caricato como o pai de família acomodado e submisso aos desejos da filha, mas ao mesmo tempo carinhoso e dedicado. Um dos destaques é Beanie Feldstein na pele de Julie, melhor amiga e confidente de Lady Bird. O elenco traz também Lucas Hedges como o namorado de Lady Bird, um papel que sofre uma reviravolta inesperada, Jordan Rodriguez como o irmão mais velho de Lady Bird e Marielle Scott como sua namorada (com quem a garota tem um relacionamento interessante), e Odeya Rush interpretando Jenna, a amiga rica em quem a protagonista projeta seus desejos. Além disso, o indicado ao Oscar de Melhor Ator Timothée Chalamet também faz uma participação.
Nota: 4,5
Trilha sonora
Vale destacar a trilha sonora do filme, elemento crucial que ajuda na ambientação e transporta o espectador de volta para a adolescência dos anos 2000 com canções de Alanis Morissette, Dave Matthews Band, Reel Big Fish e Ani DiFranco. Obras orquestrais e religiosas também estão presentes, ilustrando os momentos escolares de Lady Bird, que frequenta um colégio católico administrado por freiras.
Nota: 5
Fotografia
Em entrevista ao site IndieWire, a diretora disse que queria que o filme se parecesse com uma memória. Ao assistir a Lady Bird, é exatamente essa a impressão que temos – não apenas pela sensação de familiaridade com os temas narrativos, mas também pelo visual, criado com cuidado por Gerwig e diretor de fotografia Sam Levy. Na sua terceira parceria (os dois trabalharam juntos em Frances Ha e O Plano de Maggie), a dupla aplica à lente um filtro granulado que dá uma qualidade distante ao filme, o que é acentuado pelos ângulos de câmera que sempre olham os personagens de longe, ou ao menos a uma distancia segura, como se estivéssemos vendo, de fato, uma lembrança do passado. É um trabalho cuidadoso, que não salta aos olhos, mas é essencial para transportar o espectador de volta a uma época não-tão-distante, mas longe o suficiente para olharmos com carinho e nostalgia.
Nota: 4,5
Lady Bird – A Hora de Voar é um belíssimo esforço cinematográfico e narrativo, que leva o espectador para um passeio pelas memórias. Greta Gerwig faz uma ótima transição para a cadeira de diretora e entrega um filme sensível e realista que nos faz sentir saudades e refletir sobre nossa própria jornada de amadurecimento.
Nota final: 4,8