Pantera Negra chegou aos cinemas com uma enorme responsabilidade. Além de ser um dos filmes mais aguardados do ano, o longa é um marco cinematográfico ao apresentar o primeiro super-herói negro a carregar seu próprio título num grande estúdio. E, me desculpem os aversos, mas é impossível falar de Pantera Negra sem falar de política, não apenas pela importância do longa, mas também por seus temas e abordagem (o protagonista é, afinal, um chefe de Estado).
Com elenco e equipe principal negros, o longa é dirigido por Ryan Coogler (Creed: Nascido Para Lutar), que também assina o roteiro ao lado de Joe Robert Cole. A história mostra o retorno de T’Challa, que após perder seu pai durante os eventos de Guerra Civil, precisa voltar para casa e vestir o manto do Pantera Negra, rei e protetor de Wakanda, nação africana rica e tecnologicamente avançada que esconde suas riquezas do resto do mundo para manter sua estabilidade. Ao subir ao trono, T’Challa enfrentará novos desafios pessoais e políticos que definirão não apenas que tipo de rei ele será, mas todo o futuro de Wakanda.
Aspectos Técnicos
Roteiro
Assinado por Coogler em parceria com Joe Robert Cole, Pantera Negra é um filme não-convencional. O longa é político de maneira sutil e tece uma história poderosa sobre responsabilidade, família, consequências e dever que é divertida, porém provocante sem jamais fugir da seriedade de seus temas. Coogler e Cole não fazem exposição, preferindo mostrar ações e seus efeitos de maneira que o público tire suas próprias conclusões.
A narrativa é entrelaçada de temas essenciais como colonialismo, racismo, meritocracia e feminismo, que são tratados com a naturalidade e suavidade necessárias e não devem assustar os mais conservadores. Eles estão lá porque precisam estar lá, já que é impossível contar uma história negra, africana e cheia de protagonistas femininas sem falar de assuntos que perpassam as experiências fundamentais destas pessoas.
Mesmo com seus temas importantes, Pantera Negra sabe que é um filme de super-herói e os fãs ficarão felizes em ver que todos os elementos do gênero estão presentes. Sequências de ação de tirar o fôlego, lutas bem coreografadas, segredos e conspirações existem aos montes, mas estão lá para avançar a trama e contribuir com o desenvolvimento dos personagens.
Nota: 4.8
Direção e Fotografia
A aposta da Marvel em Coogler, um diretor jovem e com apenas dois longas no currículo, pode parecer arriscada para quem não conhece seu trabalho, mas o californiano é reconhecido como um dos mais promissores profissionais dos últimos anos. Coogler transporta sua direção marcante para Pantera Negra, e não tem medo de fazer deste o filme mais político e africano possível. A Wakanda do filme é uma homenagem à diversidade cultural do continente-mãe, sua riqueza de cenários, cores, costumes e recursos aparente na cinematografia de Rachel Morrison (que concorre ao Oscar deste ano por outro filme com protagonismo negro, Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi), no lindo design de produção de Hannah Beachler (responsável pelo vencedor do Oscar do ano passado, Moonlight, e pelo elogiado álbum visual Lemonade da cantora Beyoncé), e nos incríveis figurinos de Ruth E. Carter (duas vezes indicada ao Oscar pelos filmes Amistad e Malcolm X), que homenageiam diferentes tribos e costumes de um continente historicamente retratado de maneira negativa.
A África de Pantera Negra é a África que poderia existir não fosse pelos séculos de exploração, onde os recursos naturais não foram roubados e servem aos seus com abundância, mas também é assombrada pelo mundo exterior e a ameaça da colonização. Os personagens são interessantes, tridimensionais, e carismáticos, e os cenários correm desde uma Wakanda que mescla perfeitamente o desenvolvimento tecnológico com suas tradições até o gueto norte-americano que é o berço da cultura negra urbana.
A narrativa é pontuada por flashbacks que levam o espectador a entender o passado e suas consequências no cenário atual, e contam uma história relevante sobre pais e filhos. Embora a direção de Coogler não fuja do velho problema da câmera nervosa, com cortes bruscos e rápidos demais (comuns em sequencias de ação em filmes de super-herói) que dificultam a clareza visual em alguns momentos frenéticos, a condução do longa acontece de maneira magistral.
Nota: 5
Elenco
Conhecida por seus elencos carismáticos, era de se esperar que a tendência continuasse para a Marvel. A verdade é que Pantera Negra ultrapassa todas as expectativas e entrega uma equipe claramente comprometida com seu material. Chadwick Boseman encabeça o elenco no papel-título e não decepciona. Com uma performance na medida certa, seu T’Challa é um confiante e inseguro na mesma medida, um filho tentando honrar o legado de seu pai ao mesmo tempo em que aprende a sair de sua sombra.
Michael B. Jordan, parceiro de longa data do diretor, é destaque na pele do vilão Erik Killmonger. Um produto de suas circunstâncias, Killmonger é um personagem extremamente empático e um perigoso adversário para T’Challa. Com uma atuação apaixonada e poderosa, Jordan dá vida ao melhor vilão do Universo Cinematográfico Marvel e um dos melhores dos últimos anos no cinema, provando de uma vez por todas que veio para ficar. Fiquem atentos: é dele a fala mais marcante do filme.
É difícil falar sobre o elenco de apoio de Pantera Negra. Encabeçado por Lupita Nyong’o como Nakia (espiã wakandiana e interesse amoroso de T’Challa), Danai Gurira como Okoye (general e braço direito do rei), e Letitia Wright como Shuri (irmã mais nova de T’Challa e chefe do desenvolvimento tecnológico de Wakanda), suas personagens parecem menos coadjuvantes e mais protagonistas de suas próprias histórias. Coogler e Cole fazem questão de apontar que estas mulheres não estão ali apenas para apoiar nosso herói (embora elas também o façam), e que a história de Wakanda não pertence somente ao rei. Elas dividem o tempo de tela com Boseman de maneira quase igualitária, num feminismo silencioso e escancarado ao mesmo tempo.
A relação de T’Challa com as mulheres em sua vida é uma de respeito e cumplicidade, e é nelas que ele se aconselha e se apoia para ser não apenas um bom rei, mas um bom homem. Em momento algum da trama a capacidade delas é questionada por seus pares: Gurira é uma força da natureza em sua atuação, uma líder e guerreira que fará qualquer coisa por seu país. Nyong’o e sua Nakia representam a geração mais jovem, sedenta por mudanças e destemida em suas ações, e Wright rouba a cena cada vez que aparece com sua divertidíssima e carismática Shuri.
A produção conta ainda com atuações maravilhosas de Daniel Kaluuya, Winston Duke, Martin Freeman, Sterling K. Brown. Os veteranos Forest Whittaker e Angela Bassett emprestam graça e elegância ao elenco como o líder espiritual Zuri e a rainha Mãe Ramonda. Andy Serkis, John Kani e Florence Kasumba também estão presentes e reprisam seus papéis em filmes anteriores da Marvel na pele do contrabandista Ulysses Klaue, do falecido rei T’Chaka, e da Dora Milaje Ayo.
Nota: 5
Considerações finais
A Marvel conseguiu soltar o que deve ser seu filme mais relevante durante muito tempo. Pantera Negra pode perder o status de maior bilheteria com a chegada de Vingadores: Guerra Infinita em abril, mas sua importância cinematográfica e política será sentida durante anos. Coogler entrega um filme para provar de uma vez por todas que histórias de super-heróis são melhores e mais poderosas quando substanciadas em temas reais e socialmente indispensáveis, e que diversão e consciência não são mutuamente excludentes (coisa que todo leitor dessas histórias em quadrinhos pode corroborar).
É revigorante o protagonismo feminino em Pantera Negra e a importância de se apresentar mulheres diversas e complexas como as que o filme entrega num blockbuster. Num longavem que a diversão e o político se encontram, Ryan Coogler faz um trabalho excepcional no que já um dos melhores filmes de gênero de todos os tempos. Uma dica: fique sentado durante os créditos, o longa tem duas cenas pós-créditos.
Nota final: 4.9