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A Forma da Água é um conto de fadas diferente e apaixonante

A Forma da Água

O sucesso de A Forma da Água parece um tanto improvável. Filme com o maior número de indicações ao Oscar 2018 (treze no total), o curioso conto de fadas do diretor mexicano Guillermo del Toro passa longe do esperado em vista do histórico da Academia e retorna o gênero da fantasia à temporada de premiações. Conhecido por seus mundos fantásticos que se misturam perfeitamente ao real, del Toro volta a repetir a fórmula com mais eficiência que nunca, transformando uma história improvável num romance apaixonante com uma camada de comentário social.

Durante a Guerra Fria, a jovem muda Elise (Sally Hawkins) forma uma forte conexão com um homem-anfíbio preso pelo governo americano no laboratório onde trabalha como faxineira. Quando fica claro que a criatura não sobreviverá aos violentos experimentos do frio agente Strickland (Michael Shannon), Elise bola um plano para tirá-la de lá com a ajuda de sua amiga Zelda (Octavia Spencer) e seu vizinho Giles (Richard Jenkins). Cheio de referências a outros clássicos do gênero, A Forma da Água é um deleite cinematográfico e uma homenagem do diretor às histórias pelas quais é apaixonado.

Aspectos Técnicos

Roteiro

Ambientada numa Baltimore atormentada pela Guerra Fria, o roteiro de del Toro e Vanessa Taylor conta a história em três frentes: a protagonista Elise e sua relação com o homem-anfíbio mostram o lado humano da trama; Shannon e seu vilão Strickland, o verdadeiro monstro da história como a narração deixa claro logo na primeira cena; e o agente duplo Dr. Hoffstetler (Michael Stuhlbarg), que trabalha secretamente para o Kremlin afim de usar a criatura marinha nos esforços de guerra mas acaba por ter uma mudança de pensamento.

Mesmo se tratando de um conto de fadas, A Forma da Água é um filme bastante adulto. O roteiro não evita a violência nem o aspecto sexual do relacionamento entre Elise e o homem-anfíbio, e usa os momentos de intimidade entre os dois para consolidar a necessidade de conexão de duas criaturas solitárias e incompreendidas, sozinhos e incapazes de se comunicar de forma eficaz com o mundo a sua volta pela falta de uma linguagem em comum. A sexualidade feminina não tratada como algo vergonhoso ou escondido e é normalizada logo de cara nas cenas onde Elise incorpora em seu ritual de rotina matinal uma sessão de masturbação na banheira.

A solidão dos personagens é um tema recorrente. Tanto Giles quanto Zelda tem em Elise uma espécie de caixa de ressonância para seus problemas pessoais, ele um homem gay e desempregado, ela uma dona de casa frustrada com seu marido e a invisibilidade de uma sociedade racista. Hoffstetler e Strickland mostram dois lados diferentes do isolamento profissional; enquanto um é um cientista em luta com seus próprios códigos morais, dividido entre o dever nacionalista e o dever humano, o outro aparece como um homem frio e calculista, dedicado ao trabalho e à pátria acima de tudo, inquestionável diante a autoridade.

Narrativamente, a Forma da Água é consistente em prender a atenção do expectador e direcioná-la para os lugares certos. Apesar disso, o filme peca ao explorar pouco de seus elementos mitológicos e fantasiosos após cenas iniciais que dão a entender que haverá maiores explicações.

Nota: 4,7

Elenco

Apesar da falta de nomes muito reconhecíveis ao público geral, A Forma da Água apresenta um elenco maravilhoso de veteranos. Já consagrado por seus inesquecíveis vilões, Michael Shannon personifica um agente Strickland misógino, racista e ameaçador que contrasta com sua persona doméstica de marido dedicado e pai amoroso. Jenkins e Spencer roubam a cena a todo momento como os melhores amigos atormentados da protagonista, pessoas obrigadas a aguentar caladas as injustiças impostas pela sociedade às minorias das quais pertencem. Doug Jones, já consagrado como o homem por trás das fantasias de del Toro, continua se provando um mago mascarado e demonstra toda a empatia e solidão do homem-anfíbio sem uma fala sequer.

Mas A Forma da Água pertence mesmo a Sally Hawkins, que embora seja quase desconhecida do público de cinema, tem uma longa carreira no teatro e televisão. A performance de Hawkins é delicada e poderosa ao mesmo tempo, e sua Elise transborda emoção, culminando com um monólogo silencioso inesquecível no meio do filme. Com carisma e bom-humor, Hawkins nos leva junto a Elise por um romance triste, belo e cheio de perigos e incertezas. Sua Elise é confiante e independente e, embora solitária, procura a todo momento a beleza da vida.

Nota: 5

Direção e Fotografia

A esta altura, é bastante improvável que o Oscar de Melhor Direção não vá parar nas mãos de del Toro. O diretor, merecidamente, já levou a honra em todas as grandes premiações da temporada. A Forma da Água é apresenta uma direção primorosa, sem dúvida o melhor trabalho do mexicano. Combinando uma lindíssima fotografia do dinamarquês Dan Laustsen, a direção entrega um filme de consistência narrativa e visual incrível, com uma câmera em constante movimento que captura tanto cenários quanto emoções com grande efeito. Tomadas que começam em closes ou planos médios e vão se abrindo devagar (ou vice-versa) passam a sensação de que caminhamos junto com os personagens e um senso de mistério e inquietude.

A fotografia em tons verdes remete o tempo todo à água, e as cenas da trama com os russos tem um quê de antigos filmes de espionagem. Um confesso amante da sétima arte, del Toro resolveu homenagear o cinema fazendo um filme cheio de referências à clássicos, musicais e fantasias que conversam com a trama do filme. Morando em cima de um antigo cinema, Elise e Giles são vistos o tempo todo em frente a TV, que exibe sem parar clássicos em preto e branco. O longa bebe claramente de fontes como O Fabuloso Destino de Amelie Poulain , O Monstro da Lagoa Negra, A Bela e a Fera, O Homem das Estrelas (cujo diretor John Carpenter é um dos ídolos de del Toro), e O Monstro do Pântano, além de ter uma cena musical lindíssima no segundo ato.

Nota: 5

Trilha sonora

O responsável pela trilha é o vencedor do Oscar Alexandre Desplat. Em A Forma da Água a música não é apenas um elemento complementar, e sim uma parte integral da história. O francês entrega uma trilha sonora impecável e tocante, que conversa perfeitamente com as emoções passadas em cena e aumenta o encantamento do espectador a cada minuto. Nada menos que mágica, a trilha de Desplat é complementada por clássicos musicais das décadas de 1940 a 1960, incluindo duas canções bem brasileiras.

Nota: 5

Del Toro entrega um dos filmes mais encantadores dos últimos anos, que é não apenas um romance não-convencional como uma ode ao cinema clássico. Marcante, visualmente impecável, atuações inesquecíveis, e com uma beça mistura entre fantasia, comédia e mistério, A Forma da Água é um filme que vale a pena ser visto no cinema e promete derreter o coração até dos mais frios.

Nota Final: 4,9

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