Uma paisagem idílica durante um verão preguiçoso é cenário para um romance entre dois jovens. Você provavelmente já viu inúmeras obras que se encaixam nesta descrição bastante comum em histórias de amadurecimento (coming-of-age), que muitas vezes resultam num conto genérico e pouco interessante, por vezes esquecível. Não é o caso de Me Chame Pelo Seu Nome, novo filme do italiano Luca Guadagnino, que chegou ao Brasil na última semana sob grandes expectativas. O longa é um dos favoritos no Oscar 2018 tendo recebido quatro indicações, incluindo Melhor Filme, Melhor Ator, e Melhor Roteiro Adaptado.
Baseado no livro homônimo de André Aciman, Me Chame Pelo Seu Nome têm sido figurinha carimbada na última temporada de premiações internacionais, apesar do pequeno orçamento e do elenco semi-desconhecido. Este é o primeiro papel expressivo na carreira de Timothée Chalamet, que encabeça o elenco ao lado do mais experiente, porém não tão conhecido Armie Hammer.
A história
Durante o verão de 1983 no norte da Itália, o jovem e precoce Elio (Chalamet) se apaixona pelo charmoso Oliver (Hammer), estudante de mestrado que vem ajudar na pesquisa de seu pai. Os dois embarcam num romance embalado pela descoberta da sexualidade e da identidade. A história é baseada nas experiências pessoais do autor André Aciman, que admite ter criado Elio com traços de si próprio.
Fotografia
É difícil não se apaixonar pelo cenário da bela cidadezinha italiana de Crema, uma utopia perfeita para acomodar um romance de verão. A fotografia de Sayombhu Mukdeeprom é incrível e consegue capturar perfeitamente o clima da história, que reflete a paixão e inquietude da juventude ao mesmo tempo em que captura os vários momentos de introversão de Elio e sua agitação interna ao tentar lidar com os novos sentimentos despertados por Oliver. A paleta de cores é dominada pelo azul e amarelo, com tons variantes, mostrando o contraste entre emoções através da junção entre uma cor fria e uma quente.
A câmera segue Elio durante sua jornada e fecha várias vezes em seu rosto, em closes feitos para levar o espectador a pensar junto com o garoto em momentos mais íntimos. Mesmo assim, a linda paisagem do norte da Itália aparece o tempo inteiro em enquadramentos mais largos que apresentam Oliver e o restante do mundo de Elio numa luz mais compreensiva (momentos de distração, como as refeições da família e as saídas com os amigos, festas, passeios e brincadeiras no rio ganham sempre uma distância segura).
Nota: 5
Trilha sonora
Outro ponto alto do filme, a trilha sonora é permeada por música clássica (que Elio estuda e performa com afinco, e embala seus momentos de maior quietude) e canções mais típicas de ouvidos adolescentes da época. Animadas e românticas (como Love My Way, do Psychedelic Furs, ouvida numa cena importante em que Oliver dança enquanto Elio assiste transfixado, que viralizou no Twitter), elas se encaixam bem na maior parte das cenas.
O destaque aqui fica para o ineditismo da presença do celebrado músico folk Sufjan Stevens em sua primeira colaboração cinematográfica. Após ver uma cópia do filme a convite de Guadagnino, Stevens gostou tanto da produção que escreveu duas músicas originais para a trilha: Mistery of Love, que se tornou a balada oficial de Me Chame Pelo Seu Nome e ganhou clipe musical com cenas do filme, e Visions of Gideon, uma lindíssima balada sobre a perda do amor que serve de pano de fundo para a última cena, um close impactante do rosto de Elio enquanto escuta a própria música no fone de ouvido. A trilha conta ainda com um remix de uma das faixas antigas do músico.
Nota: 4,5
Elenco
O jovem Timothée Chalamet se mostra um verdadeiro achado e faz por merecer sua indicação ao Oscar de Melhor Ator. Chalamet interpreta Elio como se tivesse nascido para o papel e entrega uma performance de sutileza marcante, que reflete a explosão interna de sentimentos do primeiro amor com apenas um olhar (nos quais Chalamet é especialista). Armie Hammer entrega o melhor trabalho de sua carreira, carregando Oliver com confiança e sobriedade ao mesmo tempo em que mantém um ar de mistério e incerteza. Os dois atores têm ótima química e claramente há um conforto e companheirismo em suas cenas juntos. O elenco de suporte também traz boas performances, com destaque para Michael Stuhlbarg (que rouba a cena perto do final numa das cenas mais emocionantes do filme).
Nota: 4,5
Roteiro
Pontos positivos
Escrito pelo veterano James Ivory, a produção passa toda a delicadeza de um primeiro romance. A escolha de deixar de lado a narração do livro e apostar num roteiro mais meditativo foi acertada, mas sustenta-se principalmente na capacidade do protagonista de manter o interesse do público e transmitir uma grande variedade de emoções (o que Chalamet faz com sucesso, mas a escolha de um ator menos talentoso poderia comprometer o filme). Outra boa escolha de adaptação foi deixar o longa mais sutil em relação ao livro, que embora não chegue a ser gráfico, mostre cenas que poderiam afastar o espectador de cinema. A famosa passagem envolvendo um pêssego está lá, e embora modificada, mantém seu significado na trama.
O maior mérito de Me Chame Pelo Seu Nome é, talvez, a destreza com que apresenta um relacionamento gay masculino e suas nuances de forma verdadeira e convincente. Estão presentes o erotismo e a sensualidade, mas também casam com a leveza e a confusão da primeira experiência de identificação sexual. A narração é embebida de uma energia masculina característica, e os pequenos atos de violência e rebeldia clássicos das brincadeiras e toques entre rapazes aparecem o tempo inteiro. O terceiro ato carregado emocionalmente fecha bem a narração, com cenas emocionantes que devem levar muitos às lágrimas e incitar à identificação e nostalgia.
Pontos negativos
Felizmente, não há muito o que dizer aqui. A obra é conduzida com primazia e, embora pudesse se beneficiar de um tempo de duração um pouco mais curto, isso não chega a atrapalhar a narrativa. Cabe acrescentar que o tempo do filme, lento e contemplativo, deve chatear aos mais impacientes.
Nota: 4,8
Nota Geral: 4,7
Me Chame Pelo Seu Nome é um dos romances mais bem feitos dos últimos tempos. Para quem gostou de Moonlight, vencedor do Oscar 2017, o filme deve levar certas comparações, o que por si só é um elogio. Com um roteiro na medida, fotografia primorosa, e atuações memoráveis, a produção deve satisfazer aos amantes do gênero independentemente de orientação sexual e faixa etária.
1 thought on “Crítica de Me Chame Pelo Seu Nome”
Romeu
(24 de janeiro de 2018 - 16:48)Adorei o texto. Sintetizou bem o belíssimo filme.