Por Renata Schmidt
Confira a entrevista exclusiva da atriz e diretora Johana Albuquerque para o E.T.C.
“Opa, desculpa a correria, acabei de buscar meu filho no futebol e tomei a maior chuva. Vamos começar?” as palavras que dão início à conversa, proferidas numa voz forte e decidida, já revelam nuances da personalidade elétrica de Johana Albuquerque, um dos maiores nomes do teatro contemporâneo.
Num bate papo para falar da reestreia dos monólogos Hospedeira e Paquiderme, nos quais atua respectivamente como atriz e diretora, Johana nos conta um pouco mais sobre sua trajetória, processos criativos e algumas experiências pessoais que impactaram profundamente seus últimos trabalhos – acaba sendo impossível conversar com ela e não querer ir correndo para a próxima sessão dos espetáculos, atualmente em cartaz no Centro Compartilhado de Criação, na Barra Funda.
E.T.C. – É seu primeiro trabalho como atriz em muitos anos, o que motivou esse retorno ao “lado de cá” dos palcos?
J.A. Olha, foi uma situação bastante acidental, rs…quando comecei minha carreira no teatro me formei como atriz no CAL, no Rio de Janeiro, e tinha um desejo bastante claro de seguir essa profissão. Ainda lá, surgiu uma preocupação de fazer um curso que me garantisse uma formação mais ampla em interpretações, então fui pra Escola de Comunicações e Artes, em São Paulo. Lá, comecei a dirigir, e no meu terceiro trabalho já ganhei o Prêmio Nascente (premiação concedida pela USP aos destaques artísticos da universidade), no 5º trabalho comecei a dirigir fora da universidade e por aí foi… e lá se foram 15 anos! Antes de Hospedeira, a última vez que eu havia subido num palco foi em 92, em Paraíso Perdido, na época em que ajudei a fundar o Teatro da Vertigem (principal expoente do teatro brasileiro nos anos 90, que se caracterizava por pesquisa e criação de espetáculos em espaços não convencionais). O retorno aos palcos foi meio por acaso…em uma troca com dramaturgos, fui encarregada de dirigir uma série de leituras, eram quatro textos para serem trabalhados em duas semanas, imagina! Um desses textos era um monólogo feminino, bati o olho e pensei “esse eu vou fazer”.
Quando representei, redescobrir o prazer descomunal que é estar em cena, e pensei “é hora de voltar.”Algum tempo depois, o Fernando (Aveiro) apresentou o texto de Hospedeira, que dialoga com uma experiência pessoal…minha mãe estava com Alzheimer na época, e faleceu no meio dos ensaios. A peça acabou sendo para mim uma fonte muito poderosa de inspiração e de diálogo ao mesmo tempo: de inspiração porque peguei emprestados muitos gestos, posturas e expressões de minha mãe nessa etapa, e de diálogo porque me proporcionou a experiência de troca, de conversa mesmo com minha mãe e toda essa situação. Nesse momento não me despeço, e sim me encontro com ela. Foi algo muito rico e importante para mim como artista e pessoa.
E.T.C. – Hospedeira e Paquiderme são monólogos complementares, da mesma forma que você exerce funções complementares nas duas peças, atuando e dirigindo. Na sua concepção, estar dentro e fora dos palcos quase que simultaneamente enriquece a experiência do expectador? E para você, como foi?
J.A. Estar em todos os lugares ao mesmo tempo para mim já é rotina, porque além de atuar e dirigir ainda sou produtora, hehehe. Eu costumo brincar que sempre chego ao meu limite, acho que não vou mais dar conta, aí consigo dar conta de tudo, subo um degrau e repito tudo de novo. Em relação à dupla atriz/diretora, ser “A Diretora Dirigindo” tem aquele conforto de lugar conhecido. A “Atriz sendo Dirigida” é uma espécie de reencontro, por ser algo que eu não fazia há muito tempo. Apreciei muito o processo de abrir o espaço da diretora para a atriz atuar, foi algo que interferiu bastante com a minha experiência pessoal, na medida em que me permitiu descobrir uma lógica nova no teatro, a lógica do ator, em vez da lógica do diretor.
Se eu pudesse resumir essa experiência toda numa palavra, seria reencontro: da atriz, da artista, da filha e do indivíduo, algo que transcende muito o que
eu esperava quando comecei esse projeto!
E.T.C. – Você poderia contar um pouco mais sobre o trabalho de pesquisa feito para esses projetos? você fez algum tipo de imersão? Teve alguma experiência com esquizofrênicos?
J.A. Temos nesses monólogos dois universos diferentes separados por linhas bem tênues: em Paquiderme, há o surto por uma questão de trauma, ao passo que em Hospedeira temos o surto motivado pela esquizofrenia em si. O encontro desses dois ambientes se dá mediante uma linguagem esquizo. Reforço que é algo que vai além de um universo temático, temos duas realidades num mesmo universo esquizo.
Trata-se de uma proposta de reflexão sobre os males que acometem os indivíduos hoje. Um dos livros que li para o projeto foi “Sociedade do Cansaço”, no qual o autor comenta que, diferentemente do século XX, onde as doenças nos acometiam principalmente de forma invasiva, temos no século XXI um movimento contrário, em que as doenças saem de dentro dos indivíduos, principalmente da região neural…
E.T.C. – Dizem que vivemos no século da depressão, né?
J.A. É, e nesse sentido as peças se complementam e contrapõem. Paquiderme é uma peça muito masculina, muito forte, com uma energia bruta. Já Hospedeira é um espetáculo extremamente feminino, ela se sente uma mulher crustáceo, que emerge do meio do mar, que pode representar tanto um inconsciente quanto um lugar de resguardo para os seres renegados e incompreendidos. Outro ponto que corrobora o contraponto desses monólogos está no fato deles poderem tanto ser assistidos juntos de forma sequencial quanto separadamente, ou seja, posso ver apenas Hospedeira, ou apenas Paquiderme, ou Paquiderme num dia e Hospedeira no outro, ou um seguido do outro…isso contribui muito com a experiência reflexiva de cada espectador.
E.T.C. – Hoje se fala muito sobre a questão dos transtornos mentais, principalmente no meio artístico. Você avalia de forma positiva a sociedade estar mais aberta a esse tipo de diálogo?
J.A. O meio artístico de maneira geral tende a agraciar universos temáticos que fogem do senso comum, até porque a expressão artística já passou há tempos da questão do “Belo”. As últimas gerações, em particular, têm se encarregado desse papel social. O mal de Alzheimer, por exemplo, tem ganhado muito espaço em peças porque
realmente é uma doença que cresceu muito nos últimos anos ou, sei lá, na última década…parando pra pensar, talvez ele até existisse antes com outro nome, mas só hoje em dia ganhou voz e virou tema de debate, já que todo mundo conhece alguém ou tem um parente que tenha passado por isso.
Acho extremamente importante que o teatro se ocupe desse tema e de outros tantos, igualmente relevantes para o desenvolvimento da sociedade. Seria muito poderoso também que as lideranças políticas voltassem mais seus olhares para a relevância da cultura no sentido de sensibilizar as pessoas para discussões como essa.
Serviço:
Hospedeira & Paquiderme: Díptico de Estranhas e Esquizos Dramaturgias Contemporâneas – Está em cartaz até 12 de dezembro, todas às segunda e terças-feiras, às 20 horas, no Centro Compartilhado de Criação.
Segundas: Paquiderme, às 20 horas e Hospedeira, às 21h30.
Terças: Hospedeira, às 20 horas e Paquiderme, às 21h30.
Recomendado para maiores de 14 anos.
Ingressos: R$30,00 (inteira) ou R$ 15,00 (meia-entrada). Quem for ver os dois espetáculos no mesmo dia, paga R$ 40,00 (inteira) ou R$ 20,00 (meia-entrada).
Ingressos à venda na bilheteria do CCC ou pelo site: www.sympla.com.br/centrocompartilhadodecriacao
Centro Compartilhado de Criação – R. Brigadeiro Galvão, 1010 – Barra Funda. (11)
3392-7485. Capacidade: 80 lugares.
Ficha Técnica:
Paquiderme
Texto: Daniel Farias. Direção: Johana Albuquerque. Atuação: Daniel Alvim. Duração:60 minutos.
Hospedeira
Texto: Fernando Aveiro. Direção: Georgette Fadel. Atuação: Johana Albuquerque. Assistência de Direção: Carol Carreiro. Duração: 60 minutos.
Hospedeira & Paquiderme
Cenário: Julio Dojcsar. Figurinos: Silvana Marcondes. Trilha Sonora: Pedro Birenbaum. Iluminação: Aline Santini. Visagismo: Leopoldo Pacheco. Fotos: Marcelo Villas Boas. Produção: Anayan Moretto. Coordenação de Produção: Johana Albuquerque . Idealização e Direção Geral: Johana Albuquerque. Produção: Bendita Trupe.