*Por Kíssila Machado
Marvel abandona o mundo sombrio, aposta na comédia, e entrega o melhor filme do deus do trovão.
Na mitologia nórdica, o Ragnarök é um evento apocalíptico que representa o fim dos deuses e o renascimento do mundo em um novo ciclo vital. Foi exatamente isso que a Marvel resolveu fazer em Thor: Ragnarok. Após um primeiro esforço morno e um segundo longa no mínimo duvidoso, o estúdio finalmente encontrou a fórmula certa para o deus do trovão ao desligar-se do tom sombrio de seus antecedentes e deixar de levar-se a sério, apostando na comédia e numa vibe mais leve e divertida.
Após os eventos de Vigadores: Era de Ultron, Thor (Chris Hemsworth) precisa voltar para casa e enfrentar Hela (Cate Blanchett), deusa da morte, que toma o trono de Asgard e quer levar seu reino de caos e destruição ao resto do universo. Com a ajuda do irmão Loki (Tom Hiddleston), da lendária Valquíria (Tessa Thompson), e do incrível Hulk (Mark Ruffalo), o deus do trovão vai passar pelo maior teste da sua vida e tentar impedir o fim de Asgard.
Com o sucesso estrondoso de Guardiões da Galáxia, a Marvel parece ter deixado de lado (ao menos temporariamente) o duro controle sobre seus filmes e dessa vez apostou na direção do carismático Taika Waititi, que fez nome nos últimos anos com os sucessos independentes “O Que Fazemos nas Sombras” (2014) e “A Incrível Aventura de Rick Baker” (2016). O resultado veio no que é, sem dúvida, o melhor filme do personagem e também o mais banhado em personalidade. O estilo marcante de comédia do diretor dá uma cara nova ao personagem, que pela primeira vez consegue ser o mais magnético em sua própria história.
Claro que nem tudo são flores. Thor: Ragnarok teve baixas importantes de elenco e perdeu sua co-protagonista feminina, a conceituada Natalie Portman, que vivia a Dra. Jane Foster. No filme há uma menção rápida ao fim do relacionamento entre Jane e Thor, e pronto, acabou o assunto. A falta de um interesse romântico tem, nesse caso, um impacto positivo, pois permitiu que o foco se voltasse a outros aspectos da vida do deus e deu uma maior complexidade ao personagem. No mesmo bote, porém, com outros resultados, está a ausência de Jamie Alexander, que não pôde reprisar seu papel como a guerreira Sif por conta de conflitos de agenda e a história acabou por ignorar sua existência, deixando uma lacuna estranha e um quê de falsidade, já que a asgardiana foi presença marcante nos longas anteriores e é querida por muitos fãs.
Mesmo assim o roteiro de Eric Pearson, Craig Kyle, e Christopher Yost consegue desenvolver a profunda relação entre os irmãos Thor e Loki e chega a dar uma complexidade ainda maior a este último, que agora faz as vezes de herói involuntário e permanece um dos personagens mais interessantes do Universo Cinematográfico da Marvel. A narrativa mantém a relevância do protagonista ao mesmo tempo em que dá espaço para os coadjuvantes brilharem; destaque aqui vai para o gigante esmeralda da Marvel, que, pela primeira vez, consegue ter relevância dentro do contexto fílmico e participa ativamente da trama. A participação de Banner promete ainda uma questão importante para os próximos longas do estúdio e pode dar origem no cinema a uma das histórias mais queridas do personagem, a elogiada Planeta Hulk (parte da qual já foi aproveitada nesse mesmo filme).
O ponto alto de Ragnarok é, de fato, seus personagens. Cate Blanchett e Karl Urban entregam ótimas performances (como de costume) e conseguem dar personalidade aos vilões (este último ganha ainda uma redenção). Jeff Goldblum empresta seu carisma ao extravagante Grão Mestre, que rouba todas as cenas em que aparece, e Tessa Thompson convence como uma Valquíria desesperançosa e atormentada pelo passado. O diretor ainda empresta a voz para Korg, um personagem saído direto de Planeta Hulk que começa como alívio cômico, mas acaba sendo importante para a trama, e Idris Elba e seu Heimdall tem papel fundamental, com destaque maior que nos outros filmes. A exceção do Grão Mestre, todos esses personagens (entre outros) participam do clímax do filme, uma batalha divertida e bem coreografada que dá destaque a todos os envolvidos e culmina com uma mudança de paradigma para o protagonista.
Um esforço louvável, Thor: Ragnarok consegue reviver o interesse do espectador no deus do trovão e seu mundo, embora em certos momentos continue sofrendo do mesmo problema de seus antecessores: o excesso de cenários em CGI que, embora bem feitos, dão um aspecto exagerado e um tanto quanto falso ao ambiente. No mais, pode ficar tranquilo. Thor finalmente é dono da sua própria história.
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