American Crime Story 2: Conheça a história real por trás do show

O assassinato de Gianni Versace é considerado uma das maiores tragédias do mundo da moda

American Crime Story é mais uma prova de que o duo Ryan Murphy e Brad Falchuk (que também produziu American Horror Story) tem o dom de sacar os temas capazes de arrepiar a espinha e gerar uma certa curiosidade mórbida: o show,  cuja terceira temporada está em fase de pré produção, traz a cada edição um crime cujo impacto na sociedade norte-americana ainda pode ser sentido. Na primeira temporada, o caso do julgamento de O.J Simpson trouxe um panorama da complexa questão racial nos Estados Unidos. Já na segunda, o assassinato do estilista Gianni Versace pelo serial killer Andrew Cunanan nos levou de volta à década de 90, e revelou que o preconceito contra a comunidade homossexual foi o principal responsável para o que foi considerado um dos maiores fracassos da história policial norte-americana.

American Crime Story angariou 4 Golden Globes, dois de melhor série de televisão limitada e dois de melhor performance para Sarah Paulson (American Horror Story) e Darren Cris (Glee) que protagonizam, respectivamente, a primeira e a segunda temporada. Pelo evidente sucesso do show, muita gente se perguntou sobre o nível de liberdade artística tomada pelos roteiristas para produzir o show, principalmente na segunda temporada, uma vez que o caso de O.J Simpson foi exaustivamente relembrado e analisado pela mídia – tendo, inclusive, originado o documentário O.J:. Made in America, vencedor do Oscar de 2017 de melhor documentário.

Assim, para preencher as lacunas deixadas pela segunda temporada, contaremos um pouco sobre a historia real por trás da trajetória assassina de Andrew Cunanan, que culminou com o assassinato de uma das mais brilhantes estrelas do mundo da moda.

Andrew Cunanan: como nasce um assassino

Créditos: Buzzfeed
[AVISO DE SPOILER: o trecho a seguir narra grande parte da história da segunda temporada de American Crime Story] Cunanan nasceu em 31 de agosto de 1969, filho de Mary Anne Schillaci, de ascendência italiana, e Modesto Cunanan, filipino veterano do exército e corretor de ações de pouco sucesso. Andrew era o mais novo de 4 irmãos, e na infância já apresentava  um Q.I de 147 – com 10 anos, ele memorizou toda a coleção de enciclopédias da família – fator que o fazia ser o favorito do pai, que chegou a deixar para o filho  a suíte master da casa da família, enquanto os outros três filhos dividiam o outro quarto. A aptidão para os estudos o levou a ser aceito na Bishop’s School, colégio de elite frequentado por pessoas de condição socioeconômica  superior à dele. Para se sentir aceito, Cunanan começou a inventar histórias sobre seu background familiar, fator que levou diversos psiquiatras que estudaram o caso após os assassinatos a identificar em sua psique sintomas de personalidade narcisista e antissocial. Conforme os anos se passaram, ele chegou a descrever seu pai ora como um milionário israelense, ora como um aristocrata que residia na Quinta Avenida (a narrativa mudava de acordo com a audiência).

Aos 19 anos, Andrew era frequentador da cena gay da Califórnia, fato que não passou despercebido por sua família e, em especial, por sua mãe, cujo  background extremamente religioso acabou impedindo-a de se manifestar sobre a orientação sexual do filho. Em 1987, ele entrou na Universidade da Califórnia, para cursar História Americana, mas acabou largando o curso dois anos depois para se mudar para São Francisco. onde viria a se tornar figura renomada na comunidade gay. Ele era conhecido principalmente pelas amizades com homens bem mais velhos e o interesse em criar pornografia violenta – a tal ponto que quando as notícias sobre os assassinatos em série chegaram à mídia, muitos de seus amigos dessa época chegaram a abandonar a cidade, com medo de serem as próximas vítimas.

O conceito de sugar baby ainda não existia no início dos anos 90, mas era exatamente o que definia o estilo de vida de Cunanan: jovem, bonito e articulado, sua vida consistia numa sucessão de amantes mais velhos capazes de lhe proporcionar o padrão  que ele ambicionava. Desses casos, o mais sério foi com um milionário chamado Norman Blachford, (retratado na série) que por anos lhe forneceu una mesada de US$$2.000 ao mês e viagens de férias para Nova York, o sul da França e outros destinos do jet set internacional. Em 1996, entretanto, a relação azedou porque, nas palavras de Donna Brant, editora executiva do programa “America’s Most Wanted ” na época dos assassinatos:

“Ele começou a perder seu poder de persuasão em seu círculo social. Ele estava perdendo sua boa forma física e sua aparência, logo, sua estrela começou a se apagar”

fonte: ABC News

O término deu início à espiral de desequilíbrio emocional que culminaria com os assassinatos, um ano depois.

Os assassinatos

Fonte: Harper’s Bazaar

A primeira vítima de Cunanan foi o ex-fuzileiro naval Jeffrey Trail, que o conhecera em San Diego em 1991. Os dois chegaram a ser bastante próximos, mas Trail havia cortado relações com Cunanan por considerá-lo responsável por sua “chegada ao fundo do poço”. Não se sabe ao certo o que exatamente os dois fizeram juntos, posto que sua família fez o possível para preservar a imagem do filho assassinado – entretanto, supõe-se que tenha algo a ver com a vida noturna intensa e sexo casual. A irmã de Jeffrey comentou que Cunanan parecia ter uma estranha fascinação por Trail, chegando a imitar seus gestos e expressões durante um período de tempo. Às 21h45 do dia 27 de abril de 1997, Trail entrou no apartamento de David Madson, ex-namorado de Andrew. De acordo com uma matéria investigativa da revista Vanity Fair,  vizinhos escutaram alguém gritar “Dê o fora daqui”, seguido de ruídos de alguém socando uma parede. Depois disso, barulho de água corrente. Jeffrey Trail morreu após receber 27 golpes de martelo. Seu relógio parou às 21h55, de forma que a perícia concluiu que esse havia sido o momento do ataque.

É impossível saber ao certo o que Cunanan e Madson fizeram nos dias seguintes à morte de Tray. As últimas pistas dos dois, reveladas pelo New York Times, são os depoimentos de vizinhos que afirmam tê-los visto passeando com o cachorro de David no dia 28. Seu Jeep Cherokee foi visto nos dias seguintes por uma testemunha, que alegou não ter conseguido ver o rosto do motorista. A data do assassinato de David é igualmente imprecisa – seu corpo foi encontrado por pescadores no dia 2 de maio, mas se sabe que no dia 30 de abril Andrew já estava em Chicago. A família de Madson nutre a teoria que ele testemunhou o assassinato e acabou sendo levado como refém. Sua morte foi registrada como tendo ocorrido no dia 2, muito embora a perícia tenha confirmado que o crime provavelmente aconteceu  bem antes.

Dois dias depois de David ser encontrado, a polícia de Chicago descobre o corpo do arquiteto Lee Miglin, na garagem de sua casa. Ele havia sido envolto em fita adesiva, golpeado mais de 20 vezes com uma chave de fenda e teve a garganta cortada com uma serra. Sua esposa, Marilyn, havia desconfiado que algo estava errado quando Lee não foi buscá-la no aeroporto e, ao chegar em casa, percebeu que a porta da frente estava aberta, a cozinha bagunçada e o Lexus do marido havia sumido da garagem. Ao que tudo indica, Miglin era um dos sugar daddies que sustentara Cunanan em seus tempos de gigolô – o que explica os componentes sadomasoquistas da morte de Miglin.

Em sua fuga rumo à Miami, Cunanan passa por New Jersey, onde adiciona William Reese, cuidador do Cemitério Nacional Finn’s Point, à sua lista de vítimas. Reese morreu com um tiro na cabeça no porão de sua casa, e  a motivação aparente para seu assassinato foi o interesse de Andrew em sua picape vermelha – quando chegou ao local do crime, a polícia encontrou o Lexus de Miglin no lugar do carro da vítima.

A partir daí, Andrew Cunanan passou a constar na lista de mais procurados pelo FBI.

O Assassinato de Gianni Versace

Não se sabe ao certo se realmente houve algum tipo de relacionamento entre Gianni Versace e Andrew Cunanan. A única informação confirmada foi  que em 21 de outubro de 1990, Versace e Cunanan estavam em um clube de São Francisco e Versace o reconheceu. Segundo testemunhas, o diálogo foi o seguinte:

Gianni Versace: Eu te conheço (apontando para Andre Cunanan). Lago di Como, certo?

Andrew Cunanan: Obrigado por se lembrar, signor Versace.

Também é confirmado que Andrew foi visto em companhia de Eric Gruenwald, que na série é mostrado como a ponte entre Versace e seu assassino. Só podemos especular o que de fato aconteceu entre ambos – o enredo mostrado no show é mera especulação dos roteiristas para dar corpo à trama. Ainda assim, não é improvável que Cunanan tenha frequentado uma festa na Itália acompanhado de um de seus patrocinadores.

Uma das maiores criticas sobre a atuação da polícia nesse caso está no fato de Cunanan, apesar de ter assassinado 4 pessoas, roubado pelo menos dois carros e uma arma e de estar na lista dos mais procurados do FBI , ter vivido dois meses em Miami Beach sem se esconder, e ainda assim só ter sido efetivamente procurado depois de assassinar uma celebridade. – ele chegou a usar seu próprio nome em uma loja de penhores em que vendeu uma moeda de ouro que roubara de Miglin, sem gerar nenhuma reação da polícia de Miami. De acordo com uma entrevista concedida ao New York Times pelo vice-diretor do FBI, William J. Esposito:

“Ele saía durante a tarde e à noite(…) Era uma pessoa que chamava muito a atenção, e não era recluso de forma alguma.”

No dia 10 de julho, Versace chegou a Miami para ficar em sua mansão na área de South Beach. No dia 15, ao voltar de uma caminhada, foi interpelado por Cunanan, e tomou um tiro no rosto ao tentar subir os degraus de sua casa. Cunanan fugiu a pé.

A polícia entrou (finalmente) em ação, e encontrou a picape roubada em uma garagem próxima, além das roupas de Cunanan, um passaporte falso e recortes de jornal detalhando seus crimes anteriores. A partir daí, a pressão internacional obrigou o FBI a tomar medidas mais enérgicas para capturar o assassino, e 1000 agentes de todo país foram designados para a operação.

Por fim, o FBI localizou Cunanan numa casa flutuante, e quando se preparava para entrar, ele atirou na própria cabeça. Não houve nota de suicídio ou qualquer tipo de explicação para os crimes.

A triste conclusão que a história de Andrew Cunanan nos traz tanto na versão real quanto na de American Crime Story é que sua trilha de sangue poderia ter sido mais curta, caso a polícia tivesse tratado suas vítimas com a mesma eficiência dedicada aos assassinatos de homens heterossexuais. O show é valioso na medida em que serve como um lembrete para que os mesmos erros não sejam cometidos novamente.

Post Author: Rê Schmidt

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *